sexta-feira, 16 de maio de 2008

Não fale a língua do cão!!!

Por várias vezes tenho ouvido gente a pronunciar esta frase, uns a preto e branco e outros de uma forma cobarde e desfarsada. Não fale a língua do cão!
A ideia que se pretende passar é que se deve evitar falar línguas diferentes da oficial, neste caso o Português, que veio da Europa de barco. Cadê o Made In Mozambique? Esta, de Made in Mozambique, é outra palhaçada, um dia desses me explico.
Voltando a ideia da língua do cão. Alguns moçambicanos, sobretudo os que tiveram acesso a educação formal, lutam a todo custo para que os seus filhos se comuniquem apenas em Português e nada de Xangana, Xitswa (a minha língua materna), Ndau, Nhugwe, Macua, Chuabo, etc. Todas estas línguas são tidas como de cão. A criança ao aprender a falar as nossas línguas nacionais, está a prender a usar a língua do quadrúpede, o que é indesejável para eles.
Ontém, um amigo que sempre o respeitei desde os tempos de escola, deixou-me triste quando mostrou-se surpreso ao ouvir o meu primogénito de apenas 15 meses de idade, a pronunciar a palavra mati (que significa água). O meu amigo não gostou nada de ouvir o Júnior a se comunicar na língua materna do pai e da mãe ( em Xangana também usa-se mati para se referir a água).
Perante o meu espanto o meu "dr" levantou um meio mundo de teorias esfarapadas, tudo para defender a sua tese. De todas, a menos esfarapada é a que defende que, a criança fala mais rápido quando vive em um meio onde apenas se usa uma única língua pois isso facilita a assimilação. Esta até me pareceu ter alguma substancia. Tem lógica, não acham? Mas o resto das teorias despreziveis as nossas línguas me parecem intoleráveis.
Considero as línguas nacionais, nosso património que merece a perservação de todos e a forma de o fazermos é transmitindo-as (línguas) aos nossos filhos. Não consigo engolir a ideia de masturbação psicológica através uso de expressões como língua do cão. Me parece ser falta de auto-estima e de amor próprio e de violação de Direitos Humanos, negar o direito ao mais novos de usar as nossas línguas nacionais.
Estou errado? Bom fim de semana a todos!

10 comentários:

Bayano Valy disse...

caro saiete,
nem que as linguas nacionais fossem mesmo linguas de cão, manda a verdade científica dizer que quanto mais linguas se falarem perante uma criança melhor são as suas capacidades de as falar. o seu amigo dr parece não ter lido ou ouvido sobre isso.
o que isso prova é de que muitas pessoas tentam a todo o custo obliterar as suas raízes, e quando as subsequentes árvores crescem caem porque não têm bases.

AGRY disse...

A língua é, geralmente considerada um produto social, uma espécie de contrato entre indivíduos pertencentes a uma mesma cultura. É um traço definidor e construtor da cultura e da história dos povos.
São muitos os exemplos das línguas “recuperadas” e que ganharam o estatuto de línguas nacionais. Veja-se o caso do mirandês, em Portugal, só para dar um exemplo.

"Mas todas elas, se são línguas de gente, são igualmente complexas.
O que define uma língua não é só a quantidade de vocabulário ou de conceitos de que dispõe num dado momento, mas sobretudo o conjunto de mecanismos gramaticais que lhe permitem gerar um número infinito de frases. Enquanto o acervo vocabular está ligado à cultura envolvente, com ela se modificando, a sua gramática tende a ser mais estável, modificando-se com muito maior lentidão ao longo dos tempos. Entre esses mecanismos contam-se aqueles que permitem a cada língua adaptar palavra estrangeiras, integrando-as no sistema fonológico" (Centro de Linguistica da U.L.)

Ao invés, a língua-de-cão transporta-nos para a cidade do colono, para a opressão, para um mundo de auto-flagelação.
A linguagem do colono quando fala do colonizado é uma linguagem zoológica
Para assimilar a cultura do opressor o colonizado teve de fazer suas as formas de pensamento da burguesia colonial.

Ximbitane disse...

Quando se refere à língua de cão (parece que agora tudo o que é negativo é de cão, pobres animais!), esse doutorzeco por certo não estará a falar do órgão que também temos na boca, menospreza clara e sem vergonha línguas nacionais.

Pobre coitado, se ele soubesse que há muitos, que tendo nascido e vivido nas cidades (e apesar de nestas se falarem as tais línguas de cão) morrem de vontade de as aprender, envergonhar-se-ia pelo que disse diante ou pela atitude do Júnior.

É desolador como alguns cérebros moçambicanos reflectem! São esses que, de posse dum canudo, se esquecem até de quem lhes pôs no mundo apenas porque não sabem expressar-se na língua de nem sei que outro animal semelhante ao doutor.

São uns coitadinhos, pobres de espírito e entupidos pela auto-ciência (pela auto-aprendizagem) da ignorância pois não quero acreditar que nenhum sistema de ensino tenha passado essa ideia ao fulano em causa. Língua de cão? Faça-me o favor!

Reflectindo disse...

Ai, ai, isto dói-me! Bayano fala de uma teoria que conhece. E o dr tem fonte sobre o que afirma?

As vezes penso que é apenas uma questão de sonho falso que alguns dos nossos têm, pois se a pessoa não tiver aprendido pelo menos uma língua nacional para além de português, um dia poderá se arrepender. Eu lamento por não mais outras línguas mocambicanas para além do Macua.

O importante é não se render ao seu amigo, Saiete. Lute sempre para que o seu filho aprenda o Xitswa e se vier a morar numa outra região, deixe-o a aprender a língua daí também.

Abraco

Jorge Saiete disse...

Bayano, Agry, Ximbitane, Refletindo, concordo com todos vós. é tempo de exaltarmos as nossas línguas. e notem que de tanto ter sido criticado o meu Júnior, acabou apanhando malária e isso fez com que eu não pudesse entrar na net durante o fim de semana. As andanças que tive, durante o fim de semana, nos corredores dos hospitais, permitiram que visse uma série de cenas interessantes e outras bem tristes e que irei compartilhar convosco em breve.
abraço

Paula Góes disse...

Oi, Jorge

Reproduzi parte do seu texto no Global Voices Online, e está gerando um debate interessante por lá, se quiser aparecer, eis o link:

http://www.globalvoicesonline.org/2008/05/16/mozambique-in-defense-of-native-languages/#comments

Jorge Saiete disse...

Muito obrigado, Paulissima, por levares o texto a mais leitores. Abraço

Anónimo disse...

alo doutor
Eis o comentário do Ricardo Cossa

Primeiros vão os meus parabens por saber que o Júnior já pronucia as primeiras palavras, em especial em xitsua (sua/vossa lingua matéria)

gostaria de dar a minha opinião em relacão ao doutorinho quando repudia a apresendizagem de linguas maternas ns criancas.

será que o doutor ofereceu-nos dados suficientes para facilitarem a comprensão e analise da opinião do teu amigo?

não vamos ser radicais, ele até certo modo pode ter razão. não se esquece que temos que procurar a razao no aprente sem razão. os comentários que li parecem que todos estão a teu favor (não será amiguismo). Esquece-se que em certos momentos o j.saiete pode apresentar comentário que influenciem os leitores a pensarem como ele. sera que ele usou mesmo a expressão "lingua de cão" ou é uma deducão?

Mesmo assim importa alertar que o Ministério da educacão, está levar a cabo o programa de ensino bilingue, onde podem ser usadas duas linguas em simultaneo (portugues e a materna) para facilitar a comprensão da materia, isto nas classes iniciais.isto mostra que está se a tentar valorizar as nossas linguas

entendo que o teu colega queria dizer que as nossas linguas são dispresadas, e isto é verdade, apesar delas serem muito boa dr. temos sim que ensinar linguas maternas em simultaneo com portugues, ingles, frances, senão pode-se correr o risco de ensinar xitswa e não ter onde empregar.

sabe que o dr ganha vantagem sobre mim por que fala ingles, frances e não xitswa. ja pensou nisto dr?

reflita de novo, que mensagem queria deixar teu colega.

R.cossa

AGRY disse...

Isto é assim:
Em democracia quem quer sopa, tem a liberdade de a comer.
Quem não gostar de sopa poderá rejeitá-la.
Este raciocínio, aparentemente simples, aplica-se a muitos outros domínios.
Pode-se vender a alma ao diabo, do mesmo modo que se pode simpatizar com as ideias mais retrógadas ! Mas, o que me parece elementar ( e de bom tom) é o de as pessoas assumirem frontalmente o que pensam ao invés de optarem por argumentos sinuosos

Jorge Saiete disse...

Muito bem disse Agry. democracia é assim mesmo, pena que só um punhado a usa para enriquecer o debates de ideias!